Devedor contumaz na mira do Estado: nova lei promete frear sonegação, mas acende alerta no setor produtivo
O combate à sonegação fiscal estruturada ganhou novo fôlego com o avanço da chamada Lei do Devedor Contumaz, proposta que busca diferenciar o contribuinte que enfrenta dificuldades pontuais daquele que transforma o não pagamento de impostos em estratégia permanente de negócio. A iniciativa é vista como um passo relevante para enfrentar distorções históricas do sistema tributário brasileiro, mas também levanta preocupações sobre possíveis impactos negativos na arrecadação e na segurança jurídica.
O conceito de devedor contumaz se refere a empresas ou pessoas físicas que acumulam débitos elevados de forma reiterada, sem intenção real de quitá-los, utilizando essa prática como vantagem competitiva. Na avaliação de especialistas, esse modelo prejudica a concorrência leal, enfraquece a arrecadação e abre espaço para a atuação do crime organizado, que frequentemente se aproveita de brechas fiscais para lavar dinheiro e financiar atividades ilícitas.
A proposta estabelece critérios objetivos para caracterizar esse tipo de inadimplência recorrente, levando em conta o volume das dívidas, a reincidência e o comportamento do contribuinte ao longo do tempo. Uma vez enquadrado como devedor contumaz, o infrator poderá sofrer sanções mais severas, que vão além da cobrança administrativa dos tributos. Entre as medidas previstas estão restrições para participação em licitações, impedimentos para contratar com o poder público e manutenção de responsabilização penal, mesmo após eventual pagamento da dívida.
Defensores da lei argumentam que o objetivo não é punir o empresário que passa por crise financeira, mas desarticular estruturas que operam à margem da legalidade. Para esse grupo, a medida contribui para restaurar a justiça fiscal, ao eliminar vantagens artificiais de quem não paga impostos e consegue praticar preços mais baixos do que concorrentes regulares.
Por outro lado, o projeto também desperta críticas. Especialistas em direito tributário e representantes do setor produtivo alertam para o risco de aumento da complexidade do sistema, já considerado um dos mais burocráticos do mundo. Há preocupação de que critérios mal definidos ou interpretações rígidas possam atingir empresas em processo de recuperação, dificultando negociações, parcelamentos e a regularização fiscal.
Outro ponto sensível é o possível efeito contrário na arrecadação. Ao endurecer sanções e ampliar punições, o Estado pode afastar contribuintes de programas de renegociação de dívidas, reduzindo a entrada de recursos nos cofres públicos no curto prazo. Para críticos, o desafio está em equilibrar repressão ao mau pagador com estímulos claros ao cumprimento voluntário das obrigações tributárias.
Nesse sentido, a proposta também prevê benefícios para o chamado “bom pagador”. Contribuintes considerados adimplentes poderão ter acesso a tratamento diferenciado, como prioridade em atendimentos fiscais, maior previsibilidade em processos administrativos e facilitação no acesso a linhas de crédito oficiais. A lógica é reforçar uma mudança cultural, premiando quem cumpre as regras em vez de apenas punir quem as descumpre.
A expectativa é que a nova legislação tenha impacto direto no enfrentamento de esquemas ligados ao crime organizado, ao reduzir o uso da sonegação como instrumento de acumulação ilícita de capital. Ainda assim, especialistas defendem que a eficácia da lei dependerá de regulamentação clara, fiscalização técnica e atuação coordenada entre União, estados e municípios.
Ao colocar o devedor contumaz no centro do debate, o país avança na tentativa de corrigir distorções históricas do sistema tributário. O desafio, porém, será transformar o rigor legal em instrumento de justiça fiscal, sem comprometer a atividade econômica nem penalizar quem tenta, de boa-fé, manter suas obrigações em dia.